A cada 10 minutos morre uma mulher vítima de violência no mundo. Este ano, já se contam 24 mortes em Portugal, quase todas em contexto de relação familiar. A cada 20 minutos, há uma denúncia e, há 12 anos, o Gabinete de Atendimento e Informação à Vítima (GAIV) da Polícia de Segurança Pública (PSP) do Porto assume-se como o lugar primeiro para terminar ciclos de violência. A par deste trabalho, as habitações cedidas pela Domus Social são um dos pilares essenciais da resposta da cidade, garantindo abrigo seguro às vítimas quando a casa deixa de ser um lugar seguro.
Na semana em se assinalou o Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres – a 25 de novembro – o presidente da Câmara do Porto foi conhecer duas das respostas que a cidade disponibiliza a vítimas de violência doméstica.
Nas habitações cedidas pela autarquia, através da Domus Social, (re)constroem-se, diariamente, vidas que a violência quebrou. As Casas Abrigo, geridas pela Associação Democrática de Defesa dos Interesses e da Igualdade das Mulheres (ADDIM), são uma resposta de emergência para retirar as vítimas de perto dos agressores.
São paredes que protegem aquilo que a presidente da ADDIM considera "um problema de direitos humanos que está disseminado na nossa sociedade" e que é "do mais bárbaro e primitivo que há".

"Estas mulheres não saem de casa por causa de um momento", sublinha Carla Branco, "estamos a falar de violência de anos", que, acrescenta, "deixa sequelas irreversíveis do ponto de vista da saúde, principalmente mental". Não apenas nas mulheres, porque este "continua a ser um crime de género", como nas crianças que, confirma a responsável, são já em maior número nas Casas Abrigo da ADDIM.
“Temos de desconstruir a ideia de que ‘entre o homem e a mulher não se mete a colher”
O trabalho da associação vai no sentido da autonomização das mulheres que tiveram que largar as suas casas. Nestas habitações temporárias, mobiladas com a ajuda da comunidade, encontram "espaços reparadores e humanizados". Uma ajuda "para se reerguerem".

Mesmo com os avanços legislativos – a violência doméstica é um crime público, podendo ser denunciado por qualquer pessoa – Carla Branco sublinha que, apesar do crescendo dos números, as denúncias ainda não revelam toda a realidade. "Temos de desconstruir a ideia de que 'entre o homem e a mulher não se mete a colher'", apela, enfatizando a "banalização" de que o crime de violência doméstica goza, muitas vezes na comunicação social, tantas vezes da voz da própria justiça.
"Há juízes a perguntar se as mulheres querem mesmo avançar com os processos porque dizem que não vai dar em nada", acusa a responsável. Carla Branco acredita que ainda falta "capacitação, formação e prevenção". "Prevenir é educar", sustenta.
“GAIV já identificou mais de 15 mil vítimas de violência doméstica”

Antes desta Casa Abrigo, o presidente da Câmara foi recebido no Gabinete de Atendimento e Informação à Vítima da Polícia de Segurança Pública, um espaço pioneiro no país que tem, em permanência, um equipa especializada de intervenção. "A partir do momento em que o comando tem conhecimento da situação de violência, a vítimas não estão mais sozinhas", garante o coordenador do GAIV, Fernando Rodrigues.
Ter um gabinete inteiramente dedicado a casos de violência doméstica tem permitido a celeridade dos processos, assim como uma monitorização da dinâmica de risco, a identificação das necessidades e uma articulação muito próxima entre instituições de apoio, desde unidades de saúde a associações de proteção de menores.
Mais uma vez, os números: desde a sua criação, em 2013, até ao final de outubro deste ano, o Gabinete de Atendimento e Informação à Vítima da PSP já identificou mais de 15 mil vítimas e realizou para cima de 30 mil atendimentos. Todos os anos, são mais de mil vítimas de violência doméstica que por ali passam. Neste momento, 114 pessoas estão a ser monitorizadas por teleassistência.
"Todos nós, enquanto cidadãos, temos uma peça neste puzzle. Todos podemos identificar uma vítima e, assim, ajudar", enfatiza o coordenador do GAIV.
“Enquanto houver uma vítima de um crime desta natureza, temos todos de nos indignar, de nos revoltar e de nos sentirmos mobilizados para alterar estas circunstâncias.”
O presidente da Câmara do Porto sai da visita a estas duas respostas com o sentimento de que "o nosso sentido humano está a falhar porque, enquanto tivermos crimes desta natureza, temos todos de nos envergonhar enquanto sociedade e temos todos de sentir um apelo de que precisamos de fazer mais".
Pedro Duarte reforça que os números da violência doméstica "são absolutamente inaceitáveis" e assume a força para "inverter essa tendência na cidade do Porto". E para isso, defende, "precisamos de ter muito mais humanidade do que temos tido".
Não estando sossegado com as respostas já existentes, o autarca garante "disponibilizar, do ponto de vista do que é o esforço da Câmara, tudo o que pudermos para alterar estas circunstâncias, trabalhando com aqueles que estão no terreno".
Reconhecendo a necessidade de mais recursos – sejam policiais, sejam a nível do espaço do GAIV, sejam também sociais – o presidente da Câmara não quer que "nos desresponsabilizássemos só porque os recursos, que são sempre limitados, não estão disponíveis na sua plenitude", mas apela à ação de todos. "Temos todos de assumir as nossas responsabilidades", reforça Pedro Duarte.
Da parte do poder político, afirma que o Município do Porto vai "olhar para a realidade e ver se há necessidade de respostas mais permanentes, de outro tipo de intervenção". "É uma obrigação ética os órgãos públicos dedicarem a maior das atenções a esta matéria", considera, sublinhando que, "enquanto houver uma vítima de um crime desta natureza, temos todos de nos indignar, de nos revoltar e de nos sentirmos mobilizados para alterar estas circunstâncias".
Em caso de necessidade, o GAIV está disponível 24 horas por dia na 8.ª Esquadra do Comando Metropolitano da PSP do Porto – Rua Vale Formoso, 469 – ou através dos números 222 461 023 ou 969 863 177. Em caso de emergência, pode ser utilizado o número geral 112.
O Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres é assinalado pelas Nações Unidas a 25 de novembro, data do assassinato das Irmãs Mirabal, fortes ativistas políticas contra a ditadura na República Dominicana.